Sonntag, 21. November 2010

A terceira pessoa do plural

Deitei-me e abri a cortina bege-clara e já via o céu de jeans azul desbotado quando. Os seus lábios grossos e mornos apareceram de cima das minhas sobrancelhas em uma visão cinematográfica. Como quando passa uma nuvem, escureceram os seus lábios, quase desaparecendo. Parecia obra de um batom imaginário. Enquanto isso o céu ia se desbotando pelos contornos faciais dessa visão carnal.

Eu queria beijá-los (os lábios) e ao mesmo tempo senti-los com a visão. Mas essa parecia evoluir de forma penosa: afinava-os com uma navalha imaginária. Podia alçá-los com meus lábios mais quentes e grossos, porém a navalha cortava e ia cortando cada vez mais, deixando sobrar deles apenas um ponto. Escureci este ao máximo, para que pudesse ver o que eu ainda agora sentia, úmidos e excitantes! Eu sabia que eram apenas visões, mesmo assim sentia-as como um jogo. Assim, mais do que o fato de jogar, o espírito do jogo havia tomado conta de mim, prendendo-me.

Ao pensar nisso fui repentinamente tragado de volta ao jogo, como nuvem de fumaça sem consciência de metafísicas: a pseudo-navalha tentava mais do que nunca aniquilar o meu ponto fixo, que já se perdia na falta de foco. A ligação deste ponto com o lábio inferior se fazia assim supérfluo, a imagem sendo apenas o uso possível, no qual… eis! estalou
sonoramente numa retirada o ponto, voltando novamente, agora formando um ângulo que por alguma forma comensurou-se no espaço à minha frente com quinze graus a partir do vácuo de meus lábios, entorpecidos. Esqueci-me por alguns segundos da navalha e fechei os olhos mais e mais, não me importava mais o estranho em mim mesmo - até os estranhos se estranham – com o que a visão se declarou minha amante, minha sincera amante, e meu gôzo misturou-se
ao cheiro de suor ácido, quente, ribeirinho.

Fechei as cortinas. Sem levantar a calça, deitei-me e adormeci. Sonhei. Com vários eles, várias elas.